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PASSEMOS PARA A OUTRA MARGEM!

À tarde daquele dia, disse-lhes Jesus: “Passemos para o outro lado.” Deixando o povo, levaram-no consigo na barca, assim como ele estava. Outras embarcações o escoltavam.
Nisto surgiu uma grande tormenta e lançava as ondas dentro da barca, de modo que ela já se enchia de água. Jesus achava-se na popa, dormindo sobre um travesseiro. Eles acordaram-no e disseram-lhe:
“Mestre, não te importa que pereçamos?” E ele, despertando, repreendeu o vento e disse ao mar: “Silencio! Cala-te!” E cessou o vento e seguiu-se grande bonança. Ele disse-lhes: “Como sois medrosos! Ainda não tendes fé?” Eles ficaram penetrados de grande temor e cochichavam entre si: “Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?” Mc 4, 35-4

 Seguindo a narrativa de S. Marcos, que nos conta o ministério de Jesus na Galiléia dos gentios, Jesus pôs-se novamente a ensinar à beira mar. Uma grande multidão se acotovelava ao seu redor e Ele teve que subir numa barca. Jesus na barca, o povo na areia e de lá retomou sua pregação em forma de parábolas, usando comparações com coisas próprias do seu tempo para que o povo pudesse entender sua mensagem: falou do semeador, da semente e da qualidade da terra que a recebe; da lâmpada que deve clarear a escuridão e não ficar covardemente escondida; do grão que, assim como o Reino de Deus na gente, germina e cresce sem que percebamos, tal qual o pequenino grão de mostarda que se torna a maior de todas as hortaliças.

À tarde daquele dia, ainda dentro da barca, Jesus solicita aos discípulos que fossem com Ele para a outra margem. Cansado como estava, deitou na parte traseira do barco e adormeceu. Dormia tão profundamente que nem a forte tempestade irrompida, o vento ruidoso, as ondas altas, o balançar brusco da barca e os gritos desesperados dos discípulos, que não viam a hora do barco cheio d’água afundar, o acordaram. Daí, os discípulos terem ido acordar Jesus, e até repreendê-lo, pois parecia que Ele não estava nem aí para o que parecia que ia acontecer... o resto da história vocês já sabem. Vamos para a lição que este testemunho do apóstolo S. Marcos nos remete.

O convite ou a ordem de Jesus: ”Vamos para a outra margem” ou, como querem outras traduções, “Passemos para o outro lado”, antes de ser uma forma de fugir de um trabalho que está sendo feito, ou caçar um jeito de descansar longe dos desafios e desafetos que nos surgem ao longo dos serviços que nos propomos a cumprir, tal ordem quer nos provocar a abandonarmos o porto seguro de nossas posições confortáveis, cômodas, seguras e sob nosso controle para aventurarmos por águas mais profundas e às vezes até desconhecidas; ousarmos em tarefas mais desafiadoras que darão novos rumos em nossa vida e em nossa missão. Isto pode se dar em toda e qualquer área de nossa vida: no trabalho, em casa, nos estudos, no lazer, em nosso apostolado sócio-cristão.

Particularmente, gostaria de citar três serviços cristãos mui caros para mim, que estão às voltas com essa decisão de passar para a outra margem: Um deles é o apostolado leigo vicentino, que, se desde seus primórdios em 1833, com o bem-aventurado Frederico Ozanam e seus companheiros, fundadores da Sociedade de São Vicente de Paulo, procura fugir do mero assistencialismo, promovendo integralmente a família assistida por meio da palavra e atos concretos, agora partiu para uma intervenção estrategicamente mais objetiva e focalizada nas necessárias Mudanças Sistemáticas das Estruturas que aprisionam os desafortunados, onde se estuda conjuntamente com a família carente, não só as carências, mas as causas das mesmas, bem como se planeja o caminho de superação, ou seja, como passar para o outro lado da vida. Outro serviço, com o qual também estou comprometido, trata-se da Pastoral Familiar do Brasil, que, sem mais delongas, e aproveitando o momento graciosamente oportuno, parece estar no caminho de retomar a proposta das Associações Familiares, que trarão no seu alforje as Políticas Familiares, que há quase uma década foram temas empolgantes de suas assembléias e seminários diocesanos, regionais e nacional. Pessoalmente participei e animei vários deles em diversos cantos do nosso Brasil, catalogando testemunhos ricos em ousadia, generosidade e esperança.  O terceiro e não menos importante serviço ao bem-estar da pessoa, da família e de toda a sociedade, sem o qual nossa política não mudará para melhor, é o passo profético da Igreja Católica Apostólica Romana no processo político-eleitoral (não partidário) do nosso país, quiçá no mundo inteiro, que poderia começar pelo ensino aos fiéis (também a um bom número de bispos, padres, religiosos e religiosas), do maravilhoso e revolucionário Ensino Social Cristão ou Doutrina Social Cristã, articulando ensinamento com estratégia de envolvimento, fermentação e empoderamento dos meios políticos necessários à reviravolta nos detentores dos mandatos públicos, nas diversas casas políticas do nosso pais, começando pela via mais importante, que é o município, onde a vida acontece de verdade até chegar à representação estadual e nacional. Tudo com o protagonismo de leigos preparados, sob a orientação dos bispos e a partir das comunidades paroquiais. Embora possua razoável experiência neste campo e já, por diversas vezes, tenha divulgado um projeto nesse sentido, considerando o nível de interesse demonstrado nas respostas ou falta delas, vejo esta passagem para a outra margem como a minha utopia mais distante. Porém, não a abandonei, nem a abandonarei. Ainda a verei realizada. Creio que embora adormecido em boa parte de nossa Igreja, profetismo ainda vive!

Não há dúvida que quando nos desinstalamos, saímos de nossa caixinha e ousamos, como diz o poeta, pular a linha do horizonte, certamente teremos que enfrentar o novo, o diferente que nem sempre nos é confortável, agradável ou desejável. Trata-se de tornar a utopia realidade, afinal, como disse alguém, utopia é apenas um lugar que ainda não existe, mas com nossa ousadia, poderá passar a existir!  Nessa travessia para o outro lado, poderão pintar tormentas, ventos fortes, ondas revoltas: São queixas, gozações, perseguições daqueles que ficaram incomodados com nossa movimentação e, na tentativa de fazer tudo voltar à mesmice, irão relativizar, criticar nossas bandeiras, tipo “os ingênuos, pensam que mudaram o mundo... não serão capazes... ninguém dará apoio... as coisas são assim mesmo... deixa como está... para que procurar sarna para se coçar... política é coisa suja e não tem nada a ver com religião, com Igreja... fica quieto, reza, pede a Deus que ele resolverá tudo, e só esperar... E vai por aí, infinitamente.

Haverá momentos em que até pensaremos que o barco vai afundar mesmo, que não há saída, que o melhor a fazer é voltar ao querido, seguro e saudoso porto donde achamos que não deveríamos ter saído. Nesta hora imitaremos o teimoso povo de Deus quando, em sua travessia para a terra prometida, mesmo depois de ter experimentado diversas intervenções milagrosas do bom Deus a ser favor, num dado momento preferiu as cebolas comidas na servidão do Egito  à  ousadia da caminhada rumo à liberdade. Mas, o pior poderá acontecerá quando, imitando os discípulos, também nos sentirmos sós, abandonados nesta busca da outra margem! Dá-nos a impressão que Jesus não tá nem aí com o que nos acontece. Não foi o que os discípulos sentiram? Tanto é verdade que foram em grupo acordar e repreender Jesus!

No entanto, não é isso que a palavra comungada nos diz. Ele está presente, sim, e na verdade no comando de tudo. Não é Ele quem nos impulsiona a ir para a outra margem?  Não é ele quem diz: Passemos para a outra margem? O convite ou a ordem é no plural onde ele se inclui. O diferente, muitas vezes fugindo do comum no meio de nós, quando quem coordena a ação faz questão de estar vistosamente à frente de todos, Jesus é discreto, humilde e tão respeitoso para com nossa liberdade que até passa-nos o sentimento que somos nós que comandamos e fazemos a obra!

Chegaremos, sim, à outra margem. Basta que, a despeito dos incomodados, tenhamos fé e nos lancemos com o que somos e temos rumo à outra margem, demonstrando tamanha confiança no nosso guia e mestre Jesus, que afugentará todo o medo e sentimento de abandono, não importando o tamanho da tempestade que poderá nos rondar. Afinal, o vento, o mar, tudo está sob seu comando. Ele mesmo nos disse certa vez: Coragem, eu venci o mundo! Portanto, se Ele sozinho venceu o mundo, nós e Ele somos maioria absoluta. Não há mal que possa vencer. Jesus que nos acompanha na viagem, também nos espera na outra margem! Vamos ao seu encontro!      

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